ANÁLISE DOS SAMBAS 2017 – UNIÃO DA ILHA

ANÁLISE DOS SAMBAS 2017 – UNIÃO DA ILHA 

Escrito por Hyder Oliveira.





A União da Ilha vem com um enredo afro para o carnaval de 2017, tema presente constantemente na Sapucaí. Porém, falando sobre o tempo, através da viagem pelas raízes dos bantos, passando pelo rei angolano Kitembo e todos os demais personagens, o samba tem gerado contradições pela presença exagerada de expressões africanas, o que gera dificuldade de compreensão para os leigos e pode ser um enorme risco para o julgamento na avenida. Contudo, a melodia é muito gostosa e a voz marcante e contagiante do Ito Melodia prometem levar o samba com muita força na imensa responsabilidade de abrir o segundo dia de desfiles.

ÊH, É NO GIRÊ, É NO GIRÊ
MACURÁ DILÊ NO GIRÁ;
É TEMPO DE FÉ, UNIÃO;
O TAMBOR DA ILHA A ECOAR.

O refrão principal tem sua força na animação de cada verso cantado pelo Ito Melodia, trazendo em sua letra uma saudação a “macurá dilê”, que é conhecido na umbanda como o tempo que teve início, mas não tem fim. É também citado o momento das giras, momento de festa e espiritualidade religiosa. Com a batida do tambor, as crenças umbandistas se fazem presente nesse culto às divindades.

DOS BANTOS NZAMBI, O CRIADOR...
GIRAM AMPULHETAS DA MAGIA,
SALVE REI KITEMBO!
NZARA NDEMBU EM POESIA
PRA DAR SENTIDO À VIDA, TRANSFORMAR...
NUMA ODISSÉIA RASGA O CÉU, ALCANÇA A TERRA;
SAGRADA É A RAIZ NZUMBARANDÁ,
KATENDÊ, SEGREDOS PRESERVA
AVERMELHOU, KIAMBOTÉ NOS FEZ CAMINHAR,
NA LUTA ENTRE O BEM E O MAL, FORJOU KIUÁ!
SENHORES SAGRADOS IRÃO CELEBRAR
KUKUANA É FARTURA, NATUREZA A FESTEJAR.

De uma forma bastante confusa, a primeira estrofe nos apresenta alguns pontos importantes do enredo. Voltando à realidade dos povos bantos, a mitologia andava de mãos dadas com suas crenças. O “criador”, a suprema entidade daqueles povos, era Nzambi Mpungu, que teria criado o universo entre ampulhetas mágicas e ornamentos de ouro e marfim. “Foi quando surgiu a necessidade de convocar Kitembo, Rei de Angola, e transformá-lo no Inquice mágico do tempo: o tempo cronológico e o tempo mítico estariam reunidos para toda a eternidade”, segundo a sinopse do enredo. Com isso, o tempo foi formando as coisas. Os raios, vulcões e maremotos anunciavam que a terra estava nascendo e dando abertura à vida. 4,6 bilhões de anos depois, o supercontinente se aliou a Nzumbarandá, que era a mais velha dos Inquices. Com as sementes lançadas por Katendê, foi surgindo a natureza. Depois de um meteoro que avermelhou o céu, Kiamboté separou as águas dos continentes para a circulação de animais. Com o passar do tempo, a terra foi habitada e o instinto de sobrevivência reinava. Kiuá, o senhor da forja, transformava as pedras em instrumento de metal e as primeiras armas apareceram, na dicotomia do bem ou do mal, pois da mesma forma que seria um instrumento necessário para garantir o sustento pela alimentação, tornava-se também um material capaz de matar uns aos outros. Para comemorar, o rei Kitembo convocou todos para a Kakuana, festa da fartura e da prosperidade dos alimentos.

NDANDALUNDA A ME BANHAR (ME BANHAR)
SEIVA QUE BROTA DO CHÃO
EM RITUAIS DE PURIFICAÇÃO,
E NO BALANÇO DA MARÉ (DA MARÉ)
SAMBA KALUNGA NOS TRAZ
RARA BELEZA E PEIXES ABISSAIS.

Esta parte faz referência ao terceiro setor da escola, que fala sobre os reservatórios de água, a seiva da vida, depois da separação de Kiamboté. Ndandalunda é uma formosa sereia, que encanta os habitantes e visitantes do palácio de águas doces. Nos mares, Samba Kalunga é a guardiã dos segredos dos mares profundos e Nkianda é a dona do mar e dos peixes abissais e de rara beleza. Ainda hoje, a água é sagrada nos rituais da umbanda, passando da purificação à sessão do descarrego.

A CHAMA ARDENTE É FOGO,
O FOGO QUE QUEIMA É PAIXÃO;
É NZAZI FAZENDO JUSTIÇA
NA FORÇA DE UM TROVÃO,
QUE DITA AS LEIS DO UNIVERSO
E NOS ENSINA A LIÇÃO:
QUANDO O SOL BEIJOU A LUA,
VIU NO CÉU INSPIRAÇÃO!
MATAMBA SOPROU...
O VENTO LEVOU PRA ANGOLA REINAR,
PLANTOU O AMOR...
A ÁRVORE DA VIDA É A VIDA QUE DÁ!!!

O maior mérito do samba enquanto letra é obedecer fielmente a ordem de setorização do desfile. A leitura fica clara na última estrofe, que faz alusão clara aos dois setores que encerram o desfile: o fogo e o ar. Ainda na saga do rei de Angola Kitembo, ele louvou a divindade do fogo, Nzazi, para fulminar aqueles que tivessem mau coração. Porém, ele se assustou com a força desse elemento, que assustava animais, que despertava a curiosidade humana e conduzia a paixões avassaladoras. Através do fogo, surgiam as estrelas e planetas. O sol brilhou e gerou a luz para a terra e pôde iluminar a lua, que leva o seu reflexo à noite. Depois, querendo voltar ao seu reinado, como legítimo filho de Nzambi, pediu ajuda à rainha Matamba, senhora dos ciclones, tufões, furacões e vendavais para que ela o soprasse de volta a Angola. O objetivo é fazer da união de todos os elementos a verdadeira manifestação da paz e do amor na terra que estava surgindo. Com isso, o rei Kitembo desejou externar a Nzara Ndembu, ou seja, glória ao senhor tempo.

Enredo curioso, bastante interessante e que rendeu uma pesquisa aprofundada do carnavalesco Severo Luzardo e de toda a sua equipe. Com um samba de letra complicada, mas estrofes bem setorizadas e uma melodia muito agradável, a Ilha será uma incógnita, na minha opinião. Vamos ver como os jurados irão avaliar cada um dos pontos abordados. Boa sorte à família insulana!!!


PERDEU ALGUMA ANÁLISE? CONFIRA TODAS AS ANÁLISES CLICANDO AQUI!

Comentários

  1. Muito bom esse texto! Ao entra na avenida pela União da Ilha, eu vou pedir licença as bantos!

    ResponderExcluir

Postar um comentário