ANÁLISE DOS ENREDOS 2017 – PARAÍSO DO TUIUTÍ

“CARNAVALEIDOSCÓPIO TROPIFÁGICO”

Escrito por Carlos Eduardo Dantas.



“Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português”
Erro de português – Oswald de Andrade

Antes mesmo de a sinopse começar, somos apresentados a uma das obras mais famosas de Oswald de Andrade, o poema “Erros de português”. Jack já nos dá as Boas Vindas do que será seu enredo, quando nos mostra um dos mais, se não o mais influente modernista do Brasil logo de cara.

Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia… Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: “tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce”. Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. Aqui, o Terceiro Mundo pede a bênção e vai dormir entre cascatas, palmeiras, araçás e bananeiras. Alegria e preguiça. Pindorama, país do futuro.

            Uma explosão de “tropicalidade” dá início à sinopse, cheio dos maiores clichês que ouvimos quando falamos do “Brasil Tropical”. Essa passagem remete claramente ao movimento antropofagista dos anos 20. Começa a mistura dos movimentos modernistas. Aqui vale ressaltar que toda a sinopse é escrita em forma de manifesto. Manifesto esse criado pelo Oswald lá de cima.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra as sublimações antagônicas trazidas nas caravelas, contra todas as catequeses, povos cultos e cristianizados:
 – Eu, brasileiro, confesso minha culpa, meu pecado. Minha fome.

Revolução Caraíba, maior que a Revolução Francesa e o bonselvage nas óperas de Alencar, cheio de bons sentimentos portugueses. Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Única lei do mundo. Sou Abaporu faminto. Tupi, or not tupi? Thatisthequestion. #somostodosmacunaíma.
Contra o aculturamento. Contra os bons modos. Contracultura. Por uma questão de ordem. Por uma questão de desordem. 
           
Aqui fica claro o grande “salseiro” que em que se tornou o Brasil e que é justamente um dos aspectos que a escola quer mostrar (Milton Cunha manda lembranças), Aqui vemos a mistura entre credos, raças, culturas. Notamos citações aos trechos do Poema de Oswald, o mesmo que começa o texto, percebemos também uma forte identificação com o patriotismo. Citações ao descobrimento do Brasil e ao clássico Macunaíma marcam esse trecho. É também importante perceber as citações em inglês, e elas não estão ai a toa. Muito do movimento foi baseado em estilos estrangeiros.

Não anuncio cantos de paz, nem me interessam as flores do estilo. Tropical melancolia de uma terra em transe onde reina o rei da vela. A burguesia exige definições. Oh! Good business! 
No coração balança um samba de tamborim. Em Mangueira é onde o samba é mais puro e os parangolés incorporam a revolta. Eu me sinto melhor colorido. Quem não dança não fala. Faz do morro marginal Tropicália. Viva a mulata, ta, ta, ta, ta.

Eu organizo o movimento com água azul de Amaralina, coqueiro, brisa e fala nordestina. Solto os panos sobre os mastros no ar. Aventura em busca do som universal. Os olhos cheios de cores. Pego um jato, viajo, arrebento. Com o roteiro do sexto sentido. Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia.
Pela experimentação globalizada. Pela devoração psicodélica do rock’n’roll, da musica elétrica, das conquistas espaciais, da cultura de massa. Pelo encontro dos extremos. Pela união da precariedade com o moderno, do folclore com a ciência, do cafona com a vanguarda, do popular com o erudito. 

            Agora a sinopse entra de fato na Tropicália. Percebemos de forma muito explicita diversas referências a músicas, obras de arte, programas, etc. Todavia tudo muito misturado. Seria proposital? Seria a forma de apresentação da escola?  Ao ler a sinopse eu tive fortes lembranças dos enredos da Caprichosos, especialmente os do Luis Fernando Reis. Também percebo um grande “quê” de São Clemente na “Era Miltoncunhana”. Será o claro deboche misturado com crítica social?

São, São Paulo meu amor. Foi quando topei com você que tudo virou confusão. Dando vivas ao bom humor num atentado contra o pudor. Hospitaleira amizade. Brutalidade jardim. Ironia crítica do deboche sentimental. Porém, com todo defeito te carrego no meu peito. O avanço industrial vem trazer nossa redenção.

Eu preciso cantar. Em cantar na televisão. Eu nasci pra ser o superbacana com a capa do Rei do Mau Gosto. A elegância de um dromedário. 

Você precisa saber de mim. Coma-me! Por entre fotos e nomes, jornais e revistas, nas paradas de sucesso. Por telas, formas e grafismos do folclore urbano. Coma-me!

            A Semana de Arte moderna, que é o ponto alto do movimento é evidenciado nessa parte. Em São Paulo o movimento se expôs para o mundo e diversas canções foram criadas para terra da garoa. Mostra-se a selvageria do movimento urbano. Mais uma vez vemos o contraste entre duas culturas. Aqui chegamos a certeza da brilhante sinopse do Jack.

Minha terra tem palmeiras onde sopra o vento forte. Vivemos na melhor cidade da América do Sul. Soyloco por ti, América, soy loco por ti de amores. Tengo como colores la espuma blanca de Latinoamérica. Esse povo, dizei-me, arde!

E no jardim os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis. Eles põem os olhos grandes sobre mim. Aqui, meu pânico e glória. Aqui, meu laço e cadeia.Mamãe, mamãe, não chore. A vida é assim mesmo. Eu quis cantar minha canção iluminada de sol.

            Mais uma vez uma mistura de culturas, Ainda percebemos referências a São Paulo, mas desta vez cheia de latinidade. Jack ratifica que somos latinos SIM. Mistura-se o Espanhol com o Português (Somos o único país na América do Sul a falá-lo). Somos todos de uma só gente.

Você fica, eu vou. Quem ficar, vigia.Todo o povo brasileiro, aquele abraço! Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço enquanto meus olhos saem procurando por discos voadores no céu.
Caminhando contra o vento vou sonhando até explodir colorido.
A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. Não seremos belos, recatados e do lar.
Eu oriento o carnaval. Eu vim para confundir e não para explicar. Buzino a moça, comando a massa, dou as ordens no terreiro. Minha Tropicália Maravilha faz todo o universo sambar. Todo mês de fevereiro, aquele passo… 
Viva a banda, da, da
Carmen Miranda, da, da, da, da…
Eu vou pelo mundo em milhazes de cores. Eu vou! Porque não? Porque não? Porque não?

            O belo enredo chega ao fim com um ar carioca e inúmeras citações musicais. Eu duvido que haja alguém que não conheça metade dessas referências. São musicas que ainda se fazem presente nos dias atuais, o que mostra o quão vivo está o movimento. Identificamos uma brincadeira com uma famosa frase que virou “meme” nacional. Chacrinha, Carmem, Tim... A Sinopse chega ao fim em grande estilo, com uma idéia não menos que genial:

JACK VASCONCELOS
Em Rio de Janeiro, ano 460 da deglutição do Bispo Sardinha.

            O que há demais? Foi justamente assim que Oswald de Andrade assinou o seu manifesto: “Em Piratininga, Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha”. Jack termina da forma que começa. Com o Manifesto mais importante que norteia o seu enredo. Brilhante.

PS: Em um enredo como esse, sinto uma falta enorme de uma homenagem a Fernando Pinto. Esse enredo é a essência de Fernando.

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