"Mais de mil palhaços no salão"
Enredo
fantástico, sinopse mais fantástica ainda. Não poderíamos esperar
menos de uma das maiores estrelas da história do carnaval carioca, a
papa títulos Rosa Magalhães, que demonstra não ter perdido a mão
quanto a criação de enredos. Vamos acompanhar:
Tanto
riso, oh, quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão....
Não me leve a mal,
Hoje é carnaval!
Mais de mil palhaços no salão....
Não me leve a mal,
Hoje é carnaval!
Zé
Keti
Na
época medieval, os Mistérios e as Paixões (representações
religiosas realizadas no interior da igrejas) podem ser vistos como a
materialização da relação do homem com o riso. Se por um lado
havia o sagrado inabalável, por outro tinha-se a leveza da vida
comum - e as formas de expressão dessa alegria localizavam-se no
polo oposto ao sagrado. A alegria representava, assim, na vida do
povo, o terreno e o material, o grotesco, que era uma das formas de
expressão dessa alegria, associada ao vulgar e à vida secular.
Desde
cedo, aplica-se um contexto histórico de tirar o fôlego. A alegria
e o riso representados em interiores de igrejas em na era medieval. É
de deixar qualquer um extremamente curioso com a representação
dessa passagem na avenida. Aqui há a comparação entre duas coisas
muito distintas, o sagrado e o profano.
Uma
figura que encarnava por excelência os motivos do grotesco popular
medieval era o Diabo, por ser diametralmente oposto à Divindade. No
carnaval, o diabo é festivo - representando a glutonaria e a
licenciosidade - o que fica expresso em sua representação - metade
homem, metade animal - e em sua presença constante como figura
burlesca. Foram tantas as diabruras, que faziam a plateia rir muito,
que as representações medievais foram transferidas para o exterior
das igrejas, tal a irreverência provocada por este senhor diabo.
Diabo,
uma figura festiva, carnavalesca, é levada como um exemplo de
“palhaço”.
Ainda
durante a Idade Média, onde houvesse um poderoso, conde, barão,
príncipe... haveria pelo menos um bobo da corte para divertir o
senhor e seus convidados. Na cabeça, o bobo usava um chapéu com
pontas e guizos, a roupa era colorida - geralmente verde e amarela. O
verde representava a cor dos chapéus dos devedores e dos condenados
a trabalhos forçados; o amarelo, a cor da traição e dos lacaios.
Os
clássicos bobos da corte, outra figura carnavalesca atrelada ao
palhaço, como forma de diversão aos senhores antigos, também
trazendo o colorido de suas vestimentas. Muita riqueza de detalhes
devem ser exibidas na avenida.
Quando
os Milagres e Mistérios saíram do interior das igrejas, os artistas
que circulavam solitários pelas cortes e castelos passaram a se
encontrar nas feiras em torno dos feudos, e foram criadas verdadeiras
companhias de saltimbancos. Apresentavam espetáculos em que
misturavam representação teatral, acrobacias, dança na corda e
etc.
As
feiras viram ponto de encontro de artistas de todas as artes e
habilidades - dançarinos de corda, volantins, malabaristas, jograis,
trovadores, adestradores de animais, pelotiqueiros, músicos,
domadores de ursos, dançarinos, prestidigitadores, bonequeiros e
acrobatas.
Aqui
já temos uma evolução na linearidade do enredo típica de Rosa
Magalhães. Começam as reuniões destes “palhaços” em
companhias, e surgem – dentro do enredo – diversos tipos de
palhaços.
Os
espetáculos dos Mistérios e Moralidades incorporaram mais um
personagem cômico: o rústico. Até mais ou menos 1500, a comicidade
desse tipo de espetáculo estava a cargo do Diabo e do Vice. O Vice
era um camponês velhaco, canalha, fanfarrão, covarde e representava
todas as fraquezas humanas. Por algum motivo, ele acabava se
deparando com o Diabo, sempre acompanhado por um séquito de pequenos
demônios e metido em situações cômicas, que o transformavam em
figura ridícula. Aparece então a palavra clown, para designar o
rústico. E ele passou a ser um tipo com características bem
definidas. Continuava um grosseirão, meio caipira, mas ganhou
esperteza, sua linguagem evoluiu, adorava palavras difíceis.
Já
temos outra evolução importante, chegando em 1500 com as figuras do
Diabo e do Vice, e também um personagem cômico, mas que na minha
opinião está mais para estilo de humor, que é o rústico, o
clássico, que está ligado a antiguidade (ou pelo menos muitas
pessoas o ligam a antiguidade ou coisa antiga).
Em
1768, o sargento inglês Philip Astley construiu um anfiteatro ao ar
livre, onde pela manhã dava aulas de equitação e apresentava
espetáculos
equestres. Foi ele quem teve a ideia que iria revolucionar o mundo dos espetáculos - num picadeiro de 13 mts de diâmetro, mesclou exercícios equestres com proezas dos artistas de feira.
equestres. Foi ele quem teve a ideia que iria revolucionar o mundo dos espetáculos - num picadeiro de 13 mts de diâmetro, mesclou exercícios equestres com proezas dos artistas de feira.
O
espetáculo, baseado na disciplina militar e na valorização da
destreza e do perigo, deixava a platéia muito tensa, era preciso que
o espectador tivesse momentos de relaxamento. É aí que surge o
palhaço do circo. O clown, o campônio de quem os artistas
itinerantes sempre gostaram de caçoar, veio a ser o protótipo do
bufão do circo.
Surgem
os espetáculos de risco, tensos, nervosos, e surge também o
personagem principal da história: o palhaço de circo. Percebam a
evolução histórica: chegamos a 1768.
Esse
novo tipo de espetáculo logo se espalhou pela Europa e pelas
Américas. Os primeiros palhaços: os pioneiros do circo moderno
foram a princípio o palhaço a cavalo e o palhaço de cena. A cara
branca tradicional, feita com farinha, ou a preta, com carvão,
surgiu primeiro na França, com o trio cômico que fazia cenas em que
representavam padeiros, que terminavam sempre com a cara enfarinhada,
jogando farinha uns nos outros.
Na
França, o clown equestre era chamado de paillasse - inspirado no
Pagliaccio da Comedia dell’arte.
Os
palhaços se dividem em dois tipos - o branco e o augusto. O branco é
mais elegante, de roupas bordadas; o augusto representa quase sempre
um vagabundo, com roupas enormes, inclusive os sapatos, nariz
vermelho e boca acentuadamente grande.
O
palhaço brasileiro foi criado nas festas do Brasil colônia. Eis a
descrição de uma dessas festas - "No domingo - palhaçadas!
Saíram duas companhias de gente mascarada e vestidas ao gracioso
burlesco". Todos se divertiam como palhaços, brincando pelas
ruas da cidade.
Não
podemos esquecer os ciganos que, na Vila Rica de Ouro Preto,
realizavam comédias, bailes, máscaras e etc..
No
Rio de Janeiro do século XIX, existiam casas de espetáculos com
atividades dedicadas quase que exclusivamente aos shows circenses.
As
festas populares também tinham seus palhaços - como a folia de
reis, pastoris, bois-bumbás e sobretudo a do Festa do Divino.
E
assim, pouco a pouco, começava a ser desenhado o jeito brasileiro de
brincar.
Os
palhaços cantavam a chula, cantigas entre as mais conhecidas, de
versos cantados até hoje:
O
raia o sol, suspende a lua,
Olha
o palhaço no meio da rua
E
o palhaço, o que é?
É
ladrão de mulher!
A
diferença do palhaço europeu do brasileiro é que o nosso não só
dialogava mas também cantava! E cantavam eles muito bem... José
Ramos Tinhorão, em seu livro, observa que os primeiros cantores a
gravarem discos no Brasil foram os palhaços de circo. Bahiano teve a
honra de ser o intérprete do primeiro samba gravado no Brasil : Pelo
telefone, de Donga.
O
Brasil teve grandes palhaços, que não podemos deixar de mencionar e
a quem devemos apresentar nossos cumprimentos - Polydoro , cujo nome
era inspirado no General Polydoro Quintanilha Jordão; Alcebiades
Pereira - que era também exímio acrobata; Benjamim de Oliveira - o
primeiro palhaço negro - exibia-se no circo Spinelli - era negro mas
pintava a cara de branco, como faziam os palhaços. Se Bahiano gravou
o primeiro samba, Benjamim participou do primeiro filme - baseado no
Guarani de José de Alencar - ele foi o Peri.
E
mais: Eduardo das Neves, Pompílio - que não conseguiu
aposentadoria, apesar das palavras de Joracy Camargo, pedindo pensão
para ele - "que obtenha dos políticos que tanto riram com ele,
a pensão a que têm direito os verdadeiros palhaços, mais úteis ao
povo que os falsos palhaços da politicagem nacional". E
Oscarito, Grande Otelo, Mazzaropi, Fred e Carequinha, entre tantos
outros que nos deliciaram com suas representações inesquecíveis.
E,
por fim, não se pode deixar de citar a garotada que saiu de cara
pintada, fazendo barulho pelas ruas, seguindo o exemplo dos nossos
palhaços. A eles, a pátria agradece.
Por
fim, uma grande homenagem aos palhaços brasileiros, que no meio de
tanta confusão, fazem os nosso dias melhores. Será muito
interessante ver esse momento na avenida, com os clássicos Oscarito,
Grande Otelo, Mazzaropi...
É
esperar para ver.
É UM ENREDO IMPECÁVEL,
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