SINOPSE DO ENREDO - G.C.E.R.E.S. OS PROTEGIDOS DA PRINCESA

A Escola de Samba Os Protegidos da Princesa, de Florianópolis/SC, divulgou no início da noite de terça-feira (30/06), por meio de seu canal oficial, o enredo para o carnaval 2016. A atual bicampeã irá retratar a Rússia no próximo ano na passarela.










PRIMAVERAS RUSSAS: UMA HISTÓRIA DO MUNDO EM PARTITURAS

Justificativa
Quando começamos a pensar a Rússia como tema de enredo de escola de samba, amplitude se tornou fascínio e desafio. É o país mais extenso do planeta, um imenso território que se estende por dois continentes, com dezenas de séculos de histórias possíveis de serem contadas. Nenhum enredo deve ter ambição totalizante. Quem pretende falar de tudo não fala de nada. É precisamente da ideia de “uma história possível” que nasce o nosso enredo para o Carnaval 2016.
O tema será tratado sob um olhar específico: como a música expressa o espírito de diferentes momentos da história da Rússia vividos ou imaginados por seus compositores e público. A narrativa será dividida em três atos, prologo e epílogo, como em alguns balés e peças teatrais. Considerando que narrar é contar uma passagem de tempo em que ocorrem mudanças, concentraremos nossa narrativa na passagem do século XIX para o “curto século XX”, quando a Rússia protagonizou alguns dos momentos mais efervescentes da história mundial.
Essa concentração é possível porque o tempo da história é diferente do tempo cósmico. Enquanto o tempo cósmico pode ser medido pelo movimento dos astros e fracionado pela escala do relógio, sempre igual, o tempo da história é regido pelo processo que se quer contar. O ritmo da narrativa acompanha o ritmo das transformações significativas para nossa abordagem.
O título “Primaveras Russas” alude aos fatos importantes que aconteceram nesta estação, associada na natureza e na história a transformação, renovação e florescimento. É “uma história do mundo” porque não acontece isolada em seu espaço geográfico, mas entrelaçada ao que acontecia na dinâmica do planeta. Será contada “em partituras” porque a música é o caminho escolhido para expressar o espírito de diferentes momentos – selecionando entre muitas obras algumas que servem à construção desta narrativa - como fio condutor que interliga outros dados artísticos, sociais, políticos e culturais.
É um caminho possível, uma história possível. Não é a única, não é a total, é a história que preparamos para realizar um grande carnaval à altura da monumentalidade russa. Abram-se as cortinas, o espetáculo vai começar!

Sinopse
Prólogo
A Sagração da Primavera
Enxames de flautas se orquestram entre a relva, fazendo as abelhas dançarem de flor em flor, carregando o pólen e perpetuando o milagre da vida. Nas colinas da Rússia, as tribos festejam em rituais. Anciãs preveem um futuro glorioso para aquelas terras, enquanto jovens dançam o Khorovod (círculo da primavera). Homens e Terra se tornam um só e “a escolhida” dança até a morte na sagração da primavera.
As estruturas rítmicas complexas, o uso de timbres incomuns e as dissonâncias estampam em partituras a inovação no balé composto por Stravinsky. A música é uma das mais importantes expressões da cultura russa, perpassando toda sua história, da qual é ao mesmo tempo parte e portadora. Balés, sinfonias, óperas e canções contam histórias e traduzem o espírito de seu tempo. Stravinsky lançou um olhar musical sobre os mistérios sobrenaturais das etnias que habitavam a Rússia antes da formação do Império.
Quando Le Sacre Du Printemps estreou em Paris, a plateia se agitou em sonoras vaias e gestos de reprovação, sendo necessária intervenção policial para conter os ânimos no Théâtre des Champs-Élysées. Os passos bruscos e as melodias que remetiam ao folclore russo traduzindo rituais pagãos chocaram a distinta plateia que acabara de assistir a um balé inspirado na música de Chopin, à qual seus ouvidos estavam familiarizados.

Ato I
A era dos czares
Nos suntuosos salões da Rússia imperial, as peças para piano e orquestra estavam entre as preferidas da corte. Os nobres se consideravam herdeiros do Príncipe Igor, herói que liderou a resistência contra invasões e foi transformado em ópera por Borodin. Ao mesmo tempo, idealizavam seus palácios e sua vida opulenta como parte de um universo mágico. As meninas sonhavam ser A Donzela da Neve – ópera de Rimsky-Korsakov. Naquele império idealizado, todos dariam a vida incondicionalmente pelo czar, como Ivan Susanin, personagem de ópera criada por Mikhail Glinka, o pai da música erudita russa, incentivador do patriotismo na arte.
Consagrado como o grande compositor do Império por excelência, Tchaikovsky exprimiu em sua música o espírito da era dos czares – nome dado aos soberanos numa derivação de “césar”. Em seu mundo fantástico, quebra-nozes ganham vida, belas adormecem à espera do príncipe encantado e princesas são transformadas em cisnes brancos, bailando na busca de um final feliz.
Na primavera de 1776, a czarina Catarina, “A Grande”, autorizou uma trupe a organizar representações teatrais, concertos e mascaradas. A fama do Bolshoi – “O Grande” - ganharia o mundo e sua companhia de ballet estrearia, um século mais tarde, O Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. O compositor, autor de várias obras de cunho nacionalista, teve a gratidão do império expressa por uma pensão vitalícia. A Dinastia Romanov, contudo, não teria um final feliz...

Ato II
A chama vermelha
No início do século XX, o contraste entre o mundo idealizado pelos czares e a realidade do povo começava a inspirar a transformação da intranquilidade em rebelião e insurreição. As ideias de um certo alemão Karl Marx causavam forte ebulição. Sob o gelo do inverno, adormecia a semente revolucionária de um povo que se via na miséria e sem perspectivas no horizonte.
Os revolucionários de 1917 não se sentiam representados pela atmosfera onírica das músicas do império. Buscaram na Revolução Francesa a inspiração, com seus ideais de Liberté, Égalité e Fraternité, que viraram aquele país de ponta-cabeça e fizeram emergir as primeiras canções do proletariado. Entre elas, a Marselhesa caiu na boca das multidões, falando da resistência contra a tirania.
Quando a Comuna de Paris estabeleceu o primeiro governo operário do planeta, um trabalhador da indústria têxtil compôs A Internacional. Feita para ser cantada sobre a melodia da Marselhesa, foi publicada em “Quem é o louco?”, livro com 50 poemas. Anos mais tarde ganhou melodia própria e chegou até a Rússia. Seus versos conclamavam os ideais da Revolução. “Paz entre nós, guerra aos senhores! Façamos greves de soldados! Somos irmãos, trabalhadores!”.
Varrida do mapa, a monarquia dava lugar aos conselhos operários, os sovietes. Os produtores da riqueza assumiam as rédeas de seu próprio destino, no sonho de construir uma terra sem amos, onde em vez de lutar por patrões, czares e burgueses, o ideal seria o bem comum. À música, se unia a forte linguagem do cinema, que começava a ascender, com filmes como O Encouraçado Potemkin, sobre uma revolta de marinheiros num navio de guerra.
A Marselhesa logo inspirou uma nova canção popular, a Marselhesa Operária que, caindo na boca do povo, se tornou o hino provisório da União Soviética. Mais tarde, foi substituído por A Internacional, que inflamou as massas, se tornando inspiração para comunistas, social democratas e anarquistas por todo o planeta.

Ato III
No loop da montanha-russa
As primeiras décadas do governo operário inspiraram diversas canções, como Lutaremos Com Bravura, Nossa Locomotiva e Bandeira Vermelha, com claro espírito de progresso, orgulho e crença no caráter positivo daqueles novos tempos. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi lançada a composição que fala da jovem Katyusha, a pequena Catarina, que guardava cartas e saudades às margens do rio, à espera de um soldado por quem era apaixonada. É até hoje uma das canções mais conhecidas na Rússia.
O Exército Vermelho tinha seu próprio coral, com mais de 300 membros, incluindo orquestra e dançarinos. Cantava suas glórias – como em Nós Somos a Cavalaria Vermelha - e algumas canções populares na União Soviética, sendo o braço musical da criação de uma “cultura socialista”. Se o império construía uma identidade a partir da música, o realismo socialista imprimiu na arte o estilo grandioso e emocional que pretendia como identidade soviética. Os músicos dos tempos do império que não se exilaram foram obrigados a aderir a essa estética. O novo hino soviético, composto por Prokofiev, trazia o tom solene e oficialesco, desconectado do caráter popular de outros tempos, acompanhando a transformação gradativa do governo em uma mão poderosa e pesada sobre o povo. “A União indestrutível das repúblicas livres, a Grande Mãe-Rússia consolidou para sempre. Viva a criada pela vontade dos povos, unida, poderosa União Soviética!”
O fim do grande conflito armado levou à disputa pela hegemonia global, transformando o mundo num grande tabuleiro de xadrez. União Soviética e Estados Unidos protagonizaram a Guerra Fria: o mundo dividido em dois lados. A música oficial servia também para expressar o espírito de grandiosidade de cada ação naqueles tempos e se articulava a outras formas de propaganda. Com o mundo dividido em blocos de influência, a gigantesca corrida armamentista levou a um dos mais loucos delírios humanos, a disputa pelo controle dos céus. A grande corrida espacial! Na primavera de 1961, o cosmonauta Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a viajar pelo espaço. Olhou para todos os lados e não viu Deus... mas viu a Terra! "A Terra é azul! Como é maravilhosa! Ela é incrível!"
O imaginário sobre o período é repleto de imagens de espiões e polícias secretas nas telas do cinema. A cena esportiva foi uma forte propaganda do regime comunista e teve nas lágrimas do ursinho Misha, nas Olimpíadas de Moscou, seu "canto do cisne". Uma década mais tarde, o muro que dividia Berlim - e, simbolicamente, os dois lados do mundo - caiu e o sonho vermelho se desfez. Se o desenrolar do século XX teve a União Soviética como protagonista, a intensidade daqueles dias é comparável ao sobe-e-desce de uma montanha russa.

Epílogo
Entre bailarinos e cossacos
Nas partituras do tempo, as notas musicais trazem uma Rússia exibindo seu legado ao mundo. Tantos são os escritores, músicos, pensadores, cineastas, cientistas... e bailarinos!
A terra de Nijinski, Nureyev e Baryshnikov planta em Santa Catarina a semente da dança. No estado que leva o mesmo nome da czarina que autorizou a criação do grupo, o Ballet Bolshoi tem sua única escola em outro país, celebrando a amizade, o respeito e a união entre nossas nações. Foi inaugurada em 15 de março de 2000. Em poucos dias, floresceria a primavera na Rússia e uma verdadeiro jardim musical se perpetuaria por Joinville, a cidade das flores.
Enquanto isso, o imaginário popular recria a terra colossal outrora envolta de mistérios, com seus casacos e cossacos, bailarinos e balalaicas. Ontem mesmo, “sonhei que estava em Moscou dançando pagode russo na Boate Cossacou”. Entre bonecos gigantes e sombrinhas na neve, o bailado da matrioska com o boneco de barro “parecia até um frevo naquele cai e não cai, parecia até um frevo naquele vai e não vai...”

Willian Tadeu

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