SINOPSE DO ENREDO - G.R.C.E.S. UNIÃO DA ILHA DA MAGIA

A Escola de Samba União da Ilha da Magia, representante da comunidade da Lagoa da Conceição no carnaval de Florianópolis/SC, divulgou a sinopse do enredo para o carnaval 2016. A agremiação irá retratar o Haiti com o enredo "Haiti- A Pérola das Antilhas, o País mais Africano das Américas"

Veja a sinopse:







“AYITI: nem Colombo, nem franceses, somos a primeira República Negra do mundo”.

Introdução
Nostalgie...Nostalgie...
O vento sul sopra na Baía e som confuso da mistura das línguas ecoa no ar... Português, francês e crioulo se entrelaçam no diálogo que transforma o visual- formado pela majestosa senhora, a Ponte Hercílio Luz, e o sereno mar azul, no cenário perfeito para uma fascinante viagem secular...
Curioso, como já é característico, o Ilhéu conversa com o Imigrante Haitiano, recém-chegado na cidade. Na bagagem, o haitiano Iorubá traz algumas peças de roupas, cartas dos filhos que não conseguiram embarcar para o Brasil e a esperança de salvar sua família e o povo do Haiti...
-“Nostalgie, Nostalgie... Nem Colombo, nem franceses, somos a 1ª República Negra do mundo, a filha mais velha da África”, diz Iorubá emocionado.
Intrigado com a prosa o Ilhéu tenta entender o que faz um homem deixar seu país e seu povo, viajar milhares de quilômetros para viver e se arriscar em terras desconhecidas.
-Afinal, como é este Haiti? Nostalgie é recordação, né? É saudade? Lá tem reza? Tem lenda de bruxa como aqui? Pergunta o Ilhéu.
- Lá nossos Deuses, nossas “loas”, têm magia, força e poder. Podem mudar as pessoas, podem ajudar a salvar nossa “Pérola das Antilhas”, responde o haitiano...

Apresentação
“Dahomey vodun”, espírito ancestral. Divindades, veneração, ritual, sacrifícios, respeito, agradecimento, celebração. O poder dos espíritos... A música, a dança, os objetos sagrados, os líderes religiosos: o VODU, o “Sèvis Gine” (Serviço Africano), traz os fortes elementos dos povos da África como os igbos, bacongos e iorubás, além de elementos tainos. Para combinar os espíritos de muitas e diferentes nações africanas e indígenas, partes da liturgia católica romana foram incorporadas ao Vodu para substituir rezas ou elementos perdidos. As imagens de santos católicos são usadas para representar espíritos ou “misteh” (“mistérios”).Este sincretismo permite que o vodu haitiano reúna os elementos africano, indígena e europeu de uma maneira inteira e completa. É verdadeiramente “Religião de Kreyò”.
Bon Dieux, o “Bom Deus”, o criador, e os antepassados são venerados... Os espíritos se dividem de acordo com sua natureza: quentes ou frios. Os espíritos frios, os Rada, familiares, vindos da África. Os espíritos quentes, Petro, na maior parte nativos do Haiti. Ambos podem ser perigosos, se irritados ou contrariados. 
Todos possuem espíritos, e cada pessoa tem um relacionamento especial com um espírito particular. Ao servir os espíritos, o voduísta busca conseguir a harmonia com sua própria natureza individual e o mundo em torno dele. Parte desta harmonia é preservar o relacionamento social dentro do contexto da família e da comunidade. Uma casa ou uma sociedade de vodu é uma família extensa, e os noviços são os "filhos" de seus iniciadores. O amor e a sustentação dentro da família da sociedade de vodu são as considerações mais importantes.
"PriyèGine" , "PriyèGine" , a prece africana invoca os espíritos... A cerimônia tem início. Surgem os antepassados, relembram os séculos de história... Uma história de magia e dor... de opressão e de sobrevivência, desde os primórdios do descobrimento. Uma história que mostra o passado de riqueza e interroga o presente de devastação e pobreza... “PriyèGine" , "PriyèGine” , os Deuses buscam formas de resgatar a Pérola das Antilhas...

Justificativa
Haiti ou Ayiti, na língua local, a Pérola das Antilhas, está pronta para mostrar sua trajetória de mais de 500 anos de história, na Passarela do Samba, no Carnaval 2016, da União da Ilha da Magia.
Assim como a pérola, conhecida pela mitologia como a Lágrima dos Deuses - jóia que encanta e fascina, desde os primórdios da humanidade por sua beleza inata - o Haiti vai se apresentar na “Nego Quirido”, em Florianópolis, para mostrar suas riquezas mais profundas e desvendar os mistérios e o milagre que tornam este país um gigante sobrevivente, diante das dificuldades, dos problemas políticos, sociais e estruturais que resultaram na degradação ambiental e na miséria humana.
Nosso desfile quer mostrar a identidade de um povo que, apesar de estar na América, é a filha mais velha da África, de onde saíram seus filhos.
A formação da pérola contém magia por ser a única gema que é oferecida pronta pela natureza. Por isso, a consideramos um presente... Assim o Haiti iniciou sua história, o pedaço de terra nas Antilhas era a descoberta de um presente para o mundo... No século XVIII, era a região mais próspera já descoberta. A riqueza na produção de açúcar, cacau e café e as belezas naturais do Haiti causavam surpresa e encantamento, mas também cobiça e ambição. Foi justamente a ganância por toda esta riqueza e a violência dos conquistadores que levaram o país ao mais alto grau de degradação e pobreza.
O Haiti foi descoberto por Cristóvão Colombo, em 1492. A colonização espanhola escravizou os nativos. O país sofreu muita influência da França, que assinou em 1697 um tratado com a Espanha, no qual obteve o controle do Haiti. A população nativa praticamente desapareceu por conta da força das doenças e da violência dos exploradores.. Os franceses trouxeram escravos africanos para trabalhar na lavoura. Daí a influência da África nos costumes e nas tradições. Assim, o Haiti pode ser considerado um prolongamento da África, da qual é herdeira: a terra mais africana das Antilhas.
O Haiti apareceu para o mundo: a Pérola das Antilhas foi o primeiro país latino americano a declarar independência e abolir a escravatura, foi a 1ª República Negra do Mundo. A palavra de ordem de Liberdade, Igualdade e Fraternidade ecoou no território. O mulato Vicente Ogé liderou a primeira revolta, mas logo foi preso. A massa continuou em rebelião, abandonando os engenhos, e a liderança do movimento libertador foi assumida por Toussaint Louverture, que derrotou o poderoso exército francês. Em 1794, o governo da França proclama a abolição da escravidão em suas colônias. O povo haitiano continuou a lutar pela independência e Louverture tornou-se praticamente unanimidade nacional. Ele prepara um projeto de declaração da independência e aprovação de uma Constituição que definia o Haiti como Estado soberano, com regime republicano e associado à França revolucionária. A coragem e ousadia do povo fortaleciam a identidade negra no Haiti. O orgulho de povo negro é que a independência do país foi conseguida com a derrota colonial do exército francês; como afirma um escritor africano: “para nós, Haiti é ao mesmo tempo o símbolo da humilhação dos negros pela escravidão e tráfico negreiro, e de seu orgulho graças à independência que eles arrancaram de seu colonizador”.
Mas exploração humana, as revoltas populares e a falta de governo, a destruição ambiental destruíram a magia e a prosperidade. As grandes crises institucionais, as disputas pelo poder entre diversos grupos armados- que sacrificaram a população civil-, as gangues; os atentados aos direitos humanos; as facções criminosas; a sangrenta ditadura de François Duvalier, o Papa Doc, e sua guarda civil – os tontons macoutes , ou “bichos-papões" – responsável pela aniquilação de todos os seus oponentes. Enfim, os séculos de dor levaram o país ao colapso e o Haiti perdeu o rumo. A situação foi agravada pela degradação da maravilhosa floresta encontrada intacta por Cristóvão Colombo. Nas primeiras décadas do século XX, a floresta tropical do Haiti ainda cobria 60% do território nacional , hoje restaram apenas 2% da cobertura vegetal do país. A floresta haitiana foi arrancada, pedaço a pedaço... Segundo estimativas da ONU, cerca de 30 milhões de árvores foram cortadas a cada ano, nas últimas décadas. Como resultado do desaparecimento da vegetação houve redução da fertilidade do solo, aumento da erosão e da desertificação.
Na atualidade, do ponto de vista econômico, o Haiti é o país mais pobre do ocidente. Detém o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do continente americano. A maioria dos haitianos vive abaixo da linha de pobreza; cerca de 60% dos habitantes são subnutridos; o índice de analfabetismo é de 38%. A falta de emprego, as péssimas condições de saneamento e moradia e a insegurança alimentar no país têm sido palco de constantes revoltas.
Em 2010 um terremoto destruiu o país. O terremoto de 7 graus na escala Richter que sacudiu o Haiti foi 35 vezes mais potente que a bomba atômica lançada em Hiroshima (Japão), no final da Segunda Guerra Mundial. Cerca de 80% das construções de Porto Príncipe ( a capital haitiana) como escolas, hospitais e moradias foram destruídos ou seriamente danificados com o terremoto. O número de mortos não é conhecido com precisão, mas estima-se em 300 mil pessoas. A médica brasileira Zilda Arns , fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, que integrava missão humanitária no país, estava entre as vítimas. Zilda Arns foi indicada por três vezes ao Prêmio Nobel da Paz. Ela estava no Haiti para levar a metodologia de atendimento da Pastoral da Criança no combate à desnutrição. Três milhões de pessoas ficaram desabrigadas.
Diante de séculos de tragédia, o país tenta se reerguer. Organizações internacionais se mobilizaram para ajudar. Tropas militares de diversos países, em Missões de Paz, foram enviadas ao Haiti para ajudar na reconstrução do país. Mas a fragilidade política ainda impede os avanços de reconstrução, a ajuda internacional diminui a cada dia. Muitos haitianos deixaram o país em busca de melhores condições de vida. O Brasil é um dos locais escolhidos. Atualmente cerca de 50 a 100 haitianos entram por dia no Brasil. Muitos destes imigrantes vem para o Sul do país. Santa Catarina já recebeu centenas à procura de ajuda humanitária e inclusão.
A ligação profunda entre a África e o Haiti é antes de tudo uma ligação humana; a herança do continente africano é muito viva naquele país das Antilhas. Falando de Price-Mars, defensor das origens africanas do Haiti, Léopold Sédar Senghor afirmou: “mostrando-me os tesouros da negritude que tinha descoberto sobre e nas terras haitianas, ele me ensinou a descobrir os mesmo valores, mais virgens e mais fortes, sobre e nas terras africanas”.
É diante deste cenário que a União da Ilha da Magia, sempre ligada aos temas que remetem à reflexão e à ação, convida a comunidade da Bacia da Lagoa da Conceição para participar, de uma corrente pela vida, de um movimento de amor ao próximo, tendo o Carnaval como Maestro desta grande orquestra, que vai contar na avenida uma história de vida e de sobrevivência, uma história que já não é apenas do Haiti, mas de populações de todos os continentes. Há muito o que aprender e refletir. Pérolas não podem virar pó. Tesouros da humanidade precisam ser cuidadosamente preservados, fazem parte da vida na terra, são legados do homem... Através da magia e do cenário do carnaval, a UIM vai apresentar ao público a história deste povo que, apesar das tragédias, traz na bagagem contribuições de imenso valor. Na religião, o mostra o fascínio do Vodu- que mistura elementos cristãos e crenças africanas, fonte de inspiração e vida no país, patrimônio cultural imaterial do Haiti; nas artes, o Haiti aparece com suas cores brilhantes, perspectiva ingênua e humor astuto. A arte se espalha nas ruas . Exemplos são os Tap-tap , um gênero de táxi partilhado, utilizado como transporte público. Cada veículo é em geral decorado com pinturas elaboradas com várias cores vivas, frequentemente com frases de natureza religiosa; nas festas tradicionais, destaque para o Carnaval (referido como Kanaval em crioulo haitiano). As festividades começam em fevereiro. As cidades ficam cheias de música, carros alegóricos de desfile, representa um escape do cotidiano; no esporte a paixão é o futebol. O Jogo da paz , como ficou conhecido uma partida amistosa de futebol realizada no dia 18 de agosto de 2004, na cidade de Porto Príncipe, entre a Seleção Brasileira de Futebol - então Campeã do Mundo - e a Seleção Haitiana (então 95ª colocada no ranking da FIFA), mobilizou o país.O objetivo principal foi iniciar uma campanha de desarmamento no Haiti.
Na música, utilizada nas cerimônias vodus e no estilo musical típico do país, o ritmo é originário da República Dominicana e tem, como principal instrumento, uma corneta de bambu chamada vaksen. Na arquitetura, destaque para os palácios e fortalezas construídos no início do século XIX, por Henri Cristophe, no norte do país. Hoje as suas ruínas são patrimônio da humanidade. Enfim, há muito o que apreciar...
Mas, sem dúvida, há uma contribuição de importância infinita oferecida pelo Haiti ao mundo, e se resume numa simples palavra: Linyon, União! Linyon dos povos de todo o mundo, juntos em solidariedade ao Haiti.
Esta é a proposta para o Carnaval 2016: falar da identidade de um povo. É aprendizado na passarela, sempre com muita cor, brilho e magia. Para ficar na memória, para marcar a história... O Carnaval, a festa popular mais celebrada no Brasil, mostra sua função social . O povo brasileiro, ao acolher os imigrantes haitianos, mostra sua característica acolhedora e solidária que, com certeza , vai gerar uma grande amizade entre os povos do Brasil e do Haiti: “Um simples ato de carinho gera uma União sem fim”...

Carnavalesco: Paulinho Trindade

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