ANÁLISE DOS SAMBAS 2017 – SÃO CLEMENTE
Escrito por Hyder Oliveira.
Ah, Rosa!!!
Professora, mestra, genial! Ela está de volta com mais uma obra-prima de
enredo. “Onisuáquimalipanse”, ou “Honi soit qui mal y pense”, que significa
literalmente “envergonhe-se quem vê nisto malícia”, frase dita pelo rei Eduardo
III, ao recolocar um liga azul no cabelo da Condessa de Salisbury, sua amante.
Diante do burburinho causado pelas “aventuras amorosas” do rei, o mesmo
pronunciou essa frase, que virou célebre e até hoje muito utilizada na França.
Diante dessa introdução, percebe-se o estudo apurado e bem-humorado de Rosa
Magalhães ao propor um enredo sobre a aristocracia francesa na Idade Moderna,
que gerou um samba primoroso, com uma letra muito feliz e refrões
animadíssimos. Há quem não goste dos balanços melódicos do Leozinho Nunes, mas
isso é questão de cunho pessoal. Na minha opinião, uma das grandes surpresas
desse ano de bons sambas no Grupo Especial carioca.
A COROA DO SOL
VEM ME COROAR
ALUMIOU, DEIXA ALUMIAR
QUE HOJE O REI SOU EU
BRILHANDO COM A GINGA QUE O SAMBA ME DEU
ALUMIOU, DEIXA ALUMIAR
QUE HOJE O REI SOU EU
BRILHANDO COM A GINGA QUE O SAMBA ME DEU
Refrão que gruda, inicia o samba com um astral excelente e
introduz o enredo de uma forma lúdica, trazendo aos ouvintes a conexão
existente entre o contexto da alta nobreza francesa com a ginga brasileira
presente no carnaval. Introduz a figura do “Rei Sol” Luís XIV, com toda a sua
vaidade e vida luxuosa, repleta de ostentação e festas. Nada melhor do que o
samba para animar a tradicional valsa real.
CONTAM… QUE O GOVERNANTE DE UM PAÍS
DANÇAVA AS NOITES TÃO FELIZ
E BRINCAVA MASCARADO
DO ZUM ZUM DO CARNAVAL
BAILOU… COMO O ASTRO-REI DE UM POEMA
AO FINAL DA CENA
HOUVE ACLAMAÇÃO GERAL
DANÇAVA AS NOITES TÃO FELIZ
E BRINCAVA MASCARADO
DO ZUM ZUM DO CARNAVAL
BAILOU… COMO O ASTRO-REI DE UM POEMA
AO FINAL DA CENA
HOUVE ACLAMAÇÃO GERAL
O SOL… A PARTIR DESSE TAL DIA
GANHOU A HONRARIA DE SÍMBOLO REAL
GANHOU A HONRARIA DE SÍMBOLO REAL
Parte autoexplicativa do samba, sem grandes dificuldades de
compreensão. A primeira palavra da estrofe é bem arriscada. O “coooontaaam” do
Leozinho Nunes foge um pouco do tom utilizado ao longo da melodia, além de
deixar claro que o narrador não é personagem nem tampouco observador da
estória, mas alguém que escutou e repassa para quem quiser ouvir. Tirando isso,
mostra um pouco da personalidade artística do rei Luís XIV, que desde sua
infância viveu tudo com intensidade, pois ascendeu ao poder ainda criança com o
falecimento de seu pai. Ele dançava todas as noites, montava a cavalo,
organizava bailes de máscaras, participava do balé, dentre tantas outras
expressões artísticas. A sua interpretação mais famosa ocorreu no “Balé da
Noite”, em que o monarca representou o sol brilhando em meio às nuvens e, com
isso, foi aclamado como o “Rei Sol”.
DAÍ ENTÃO O MINISTRO DO TESOURO
ERGUEU A PESO DE OURO
UM PALACETE E CONVIDOU
O SOBERANO QUE ENCANTOU-SE NOS JARDINS
COM A BELEZA SE MIRANDO NAS ÁGUAS DO CHAFARIZ
FOI ASSIM QUE DESCOBRIU NESSA FESTANÇA
QUE HAVIA COMILANÇA EM SUA PÁTRIA MÃE GENTIL
ERGUEU A PESO DE OURO
UM PALACETE E CONVIDOU
O SOBERANO QUE ENCANTOU-SE NOS JARDINS
COM A BELEZA SE MIRANDO NAS ÁGUAS DO CHAFARIZ
FOI ASSIM QUE DESCOBRIU NESSA FESTANÇA
QUE HAVIA COMILANÇA EM SUA PÁTRIA MÃE GENTIL
Estrofe impecável, que é a base do principal conflito do
enredo. Preocupado com as dívidas da Coroa, o rei nomeou o advogado Nicolas
Fouquet como superintendente das finanças do rei, uma espécie de ministro do
tesouro real. Fouquet soube aproveitar bem as vantagens de seu cargo. Acumulou
uma fortuna imensa e estimulava a arte, pagando uma mesada a pintores,
escultores, atores, teatrólogos e tantos outros. Com toda a sua fortuna e
status, ele comprou muitos imóveis, mas um em particular ele tinha predileção.
Era um palácio perto de Paris que precisava de reformas. Tratou de comprar todo
o terreno da circunvizinhança e mandou contratar os melhores artistas, como
pintores, paisagistas e arquitetos para fazer uma reforma e tornar aquele
palácio esquecido em uma construção formidável. O resultado foi absurdamente
deslumbrante, com fachada impecável, paredes pintadas de forma organizada,
jardins luxuosos, alamedas e labirintos rodeados de lagos e espelhos de água
com chafarizes. Para a inauguração, o rei foi convidado com mais 600 pessoas
para um verdadeiro banquete com o cozinheiro Vatel, o melhor de todo o reino,
que fez um bufê extraordinário.
CHEGA AO FIM TANTA COBIÇA
QUEM LEVOU NÃO LEVA MAIS
MAJESTADE DA JUSTIÇA
PALAVRA DE REI NÃO VOLTA ATRÁS
QUEM LEVOU NÃO LEVA MAIS
MAJESTADE DA JUSTIÇA
PALAVRA DE REI NÃO VOLTA ATRÁS
O rei ficou
deslumbrado com a riqueza do palácio, mas ficou enciumado. O “Rei Sol” tinha
que brilhar mais do que todos os seus súditos. Então, pediu ao chefe da guarda
real , d’Artagnan (sim, o mesmo que inspirou Alexandre Dumas a escrever a obra
“Os Três Mosqueteiros”), que prendesse Fouquet por esbanjar e gastar de forma
irresponsável o dinheiro público e ainda acusou o superintendente de estar
tramando uma conspiração real, que nunca foi comprovada. Com isso, Luís XIV
voltava a ser o centro das atenções e dos holofotes franceses.
USANDO A MESMA RÉGUA E O MESMO TRAÇO
CONSTRUIU-SE OUTRO PALÁCIO
DE IMPONÊNCIA SEM IGUAL
ECOAM PELOS ARES DE VERSALHES
OS ACORDES DE UM BAILE SUNTUOSO E TRIUNFAL
CONSTRUIU-SE OUTRO PALÁCIO
DE IMPONÊNCIA SEM IGUAL
ECOAM PELOS ARES DE VERSALHES
OS ACORDES DE UM BAILE SUNTUOSO E TRIUNFAL
A estrofe final retrata com maestria a atitude do rei Luís
XIV para não ficar por baixo da obra colossal de Fouquet. Para isso, ele foi
atrás dos mesmos artistas para construir um palácio faraônico, superando tudo o
que já foi construído no país até então. Estava pronto o Palácio de Versailles,
símbolo típico do poderio extravagante e exagerado do controverso e histórico
“Rei Sol”.
O mais interessante do enredo caprichosamente preparado por
Rosa Magalhães é que ela não quis focar no aspecto político do reinado de Luís
XIV, em meio ao período do absolutismo, com a Guerra Franco-Holandesa, a Guerra
dos Nove Anos e a Guerra da Sucessão Espanhola. O foco é a vida de luxos e
vaidades do monarca francês e toda a influência da expressão do título do
enredo na vida dele. Mais uma nota 10 para a professora, que eleva o patamar da
São Clemente a cada ano e prepara um desfile riquíssimo, com um samba ótimo,
tanto em letra quanto em melodia. Boa sorte, São Clemente! Vem coisa boa aí!!!
PERDEU ALGUMA ANÁLISE? CONFIRA TODAS AS ANÁLISES CLICANDO AQUI!
Comentários
Postar um comentário