Análise de Enredos RJ 2016 - Estácio de Sá


"SALVE JORGE: O GUERREIRO NA FÉ"


Introdução

A sua existência é real ou imaginária? Verdades? Mitos?
Essa história, que desabrochou em nossos dias, correu do oriente ao ocidente, das missas aos rituais, ao longo dos séculos através das religiões, das lendas, do boca a boca, da imagem nos atraindo, seja pelas suas belas características físicas ou pelos seus mistérios.

Todas as religiões em que o santo é reverenciado têm um ponto comum respeitado, o vermelho que predomina em sua capa esvoaçante, despojada, que nos lembra a energia belicosa, agressiva, guerreira, audaciosa, associada à mesma energia do planeta marte, o planeta vermelho, ligado ao seu nascimento.


Bom, aqui podemos ter um exemplo de como o enredo se encaixa com a escola, tem a cara da Estácio de Sá, agremiação que volta ao grupo especial depois de oito anos distante. Como podemos perceber, a cor predominante do santo em religiões onde ele é cultuado é a vermelha, cor da escola. A intenção do carnavalesco Chico Spinoza é clara, esperta e inteligente.



Marte emite fortes vibrações como também São Jorge, que tem seu nome repleto de energia e só de pronunciá-lo, seus devotos se enchem de coragem. São Jorge é tão amado, tão carismático e tão diversificado que atende aos pedidos dos fracos, desesperados, mendigos e marginalizados. Santo de todas as crenças, de todas as sociedades e raças: São Jorge.
Sua vida, sua caminhada foi breve, mas deixou o exemplo do seu maior objetivo: a aceitação da fé.
São Jorge meu guerreiro invencível, defensor da fé, faz com que seus filhos tenham alma de guerreiro e vivam sempre com esperança sem se cansarem da luta. Salve Jorge.


Nesse trecho, São Jorge é comparado com Marte, pela forte vibração vermelha que o planeta emite, afinal não é a toa que ele é chamado de planeta vermelho. A força de seu nome, de sua pronúncia, também fica clara. Aqui também temos o apelo aos mais necessitados, as pessoas mais pobres e menos abastadas, que recorrem ao santo para terem seus pedidos atendidos.


Setor 1- Capadócia
A Capadócia fica no coração da Turquia, região histórica, no centro da Anatólia central, em uma área onde foi o cruzamento de rotas comerciais entre a região litorânea e a região oriental.
Essa rota nos tempos antigos era utilizada pelos mercadores para comércio de especiarias e produtos vindos do Oriente para a Europa, através do Mar Egeu e Mediterrâneo.
Outra rota era a travessia pelo Bósforo, adentrando pela Bulgária para chegar a Romênia, Áustria e Alemanha.
Capadócia, com seu solo de pedras de fácil manuseio e geografia diferenciada, permitiu que o homem construísse suas moradias, igrejas, labirintos; enfim, uma verdadeira civilização diretamente na rocha que são chamadas de casas e igrejas "trogloditas".



O Setor 1 vai contar um pouco da história da Capadócia, história cidade turca, onde nasceu Jorge. Nota-se que a intenção dos desenvolvedores do enredo não é de apenas contar a história de São Jorge em si, mas também os lugares onde passou, inclusive o que nasceu. Inclusive citam que a Capadócia fora rota de travessia nos tempos antigos para acesso aos grandes centros comerciais da Europa.


Neste berço de pedras por onde passaram várias civilizações, nasceu Jorge no ano 275 D.C. , teve uma educação de muito esmero, requintada e auxiliada pelos sacerdotes, enquanto esteve com sua mãe na cidade de Lidia, após a morte de seu pai que era militar.
Na adolescência, Jorge, ariano, recebe do planeta Vermelho vibrações e energias, fazendo sua natureza aguerrida, ingressou na carreira de armas, logo foi promovido a capitão do exército Romano do imperador Diocleciano e por sua dedicação e qualidade foi agraciado com título de conde da Capadócia, chegando aos 23 anos exercendo a função de tribuno militar.
Fiel a sua fé, após a morte de sua mãe, mudou-se para corte do imperador e distribuiu toda sua herança aos cristãos pobres que já sofriam crueldades da época. Nesta ocasião desentendeu-se com o imperador e declarou a fé em cristo.


E finalmente chegamos no Guerreiro na fé, Jorge, nascido em 275 DC. Atrelando mais uma vez o planeta vermelho a sua história, o enredo conta a sua ascensão no exército Romano, por sua dedicação e qualidade nos serviços prestados. Muito jovem, chega a função de tribuno militar.


Setor 2- Martírio e a Fé
Jorge, ao se declarar cristão e não abdicar de sua fé, causou grande fúria ao imperador que tentou por várias vezes induzi-lo a desistir de sua crença e passou a ser seu tirano com infinitas crueldades, começando aí seu martírio.
Por ordem do imperador, começa o ciclo de torturas ao jovem incorruptível que era perguntado se renegaria a Jesus. Das pontas de lança que se desdobravam, esmagamentos com grandes pedras, rodas gigantes cheias de navalhas, enterrado vivo em uma fornalha de cal virgem, chinelas de pedra ardente, fez com que o imperador achasse que ele conhecia e praticava a arte da magia. Foi chamado um mago mágico alquimista, pois atribuía à magia a sobrevivência do jovem santo. Depois de enfrentar sua fé com vários truques, como porções de veneno para ressuscitar defuntos, acabou convertendo o mágico para o bem. O imperador furioso ordenou que fossem os dois decapitados.
Mais uma prova foi imposta a Jorge com seu consentimento. Após ter sonhado com o senhor, foi levado onde estava a estátua de Apolo para mais um sacrifício segundo a vontade do imperador.
Jorge estende sua mão e indignado com o demônio que estava dentro da estátua, após um duelo, teve uma conversa prolongada com o ser do mal. O ídolo ruiu.
Entregou sua alma nas mãos dos anjos em 23 de abril fazendo uma excelente confissão de fé pura e sã, no ano 303 D.C., terminando seu calvário que durou sete anos.
No século V, a fé ao santo da Capadócia já havia se espalhado e existiam mais de 50 igrejas dedicadas a ele.



Muito rico em palavras, esse trecho do enredo, pertencente ao Setor 2, conta a história de sua ascensão até sua morte, no fatídico 23 de Abril de 303. As pessoas não entendiam como o santo conseguia sobreviver a imensas torturas que o foram impostas, tanto que os imperadores enviam um mágico para verificar a situação, e acaba convertido para o bem. Ambos são mandados a forca.
Essa é apenas uma das histórias que fazem muitas pessoas serem devotas de São Jorge. Sua fibra e coragem foram inabaláveis durante sua missão na terra, o que comoveu milhões de pessoas, e que comove até hoje.

Setor 3- São Jorge no mundo.
São Jorge é padroeiro de vários países e cidades, destacando seu patronato na Inglaterra, Portugal e Catalunha.
Entretanto, sabemos que ele também é padroeiro dos escoteiros, de vários exércitos, das cavalarias, Jarreteiros e até time de futebol.
Na Armênia, em Bizâncio, no estreito de Bósforo, na Grécia, São Jorge era inscrito entre os maiores santos da igreja Católica, o mártir cristão.
Acredita-se que o santo teria sido escolhido para ser padroeiro do reino quando o Rei Eduardo III fundou a ordem das Jarreteira, também conhecida como ordem dos cavaleiros de São Jorge. No século VI, em Camelot, o Rei Arthur teria colocado a imagem de São Jorge em sua bandeira.
O Rei inglês Ricardo I, comandante de uma das primeiras cruzadas, constituiu São Jorge padroeiro daquelas expedições que tentaram reconquistar a Terra Santa dos mulçumanos.
A cruz foi para a farda e bandeira das cruzadas por devoção do rei.
Na Catalunha, o dia 23 de abril é dia de São Jorge, da rosa, do livro, do amor e da cultura, a data ainda coincide com a morte de Cervantes e William Shakespeare, os dois grandes homens das letras.


Este setor vai contar a perpetuação da força de São Jorge no mundo, padroeiro de vários países, de times de futebol, etc. Jorge foi padroeiro de expedições longas, e é de escoteiros até hoje. Acredita-se que ele olha pelos escoteiros durante as suas caminhadas (pelo menos é o que alguns acreditam)

Setor 4- São Jorge e a lenda.
Vários milagres e outras tantas lendas foram atribuídas a São Jorge, sendo a mais famosa e interessante, a que relata a sua luta contra o dragão. O dragão, o cavalo e o guerreiro são três símbolos muito fortes nesta lenda: o dragão representa a idolatria; o cavalo, a Capadócia e o guerreiro, a fé. Nesta batalha, o santo foi protegido repetidas vezes por espinhos de uma laranjeira, vencendo o mal, consegue defender a donzela pura, que confessou acreditar em seu Deus, tornando-se cristã.


Esse pode ser o ponto alto do desfile, a luta de Jorge contra o desafiador Dragão. Essa lenda perpetua-se pelo mundo desde muitos anos, e se bem explorada pelos carnavalescos, podem render pontos importantes na luta pela permanência da escola no grupo especial.

Setor 5- São Jorge em terras brasileiras.
Na história, pensa-se que os cruzados ingleses que ajudaram o Rei Dom Afonso Henrique a conquistar Lisboa em 1147 teriam sido os primeiros a trazer a devoção de São Jorge para Portugal.
O Rei D. João I de Portugal era também muito devoto do santo e foi no seu reinado que São Jorge passou a ser padroeiro de Portugal. Em 1387, D. João I ordenou que a imagem a cavalo fosse transportada na procissão de Corpus Christi.
A irmandade de São Jorge cruza os mares, depois de instalada na igreja Nossa Senhora do Bom Parto, no centro do Rio de Janeiro abre suas portas aos negros e a quem trabalha com o ofício de ferro e fogo.
Ele é o ogum, o primeiro, o número um, um defensor desta fé, santo guerreiro, São Jorge do Rio de Janeiro.
O sincretismo religioso acontece como proteção a cultura afro-descendente que começa a travar conexões entre o santo e o Orixá Ogum, dando continuidade a devoção ao santo.
E hoje. São Jorge, guerreiro incansável, nome repleto de luz contagiante que emite aos sambistas esta mesma coragem audaciosa, fazendo-os incorporar o guerreiro invencível e levar para avenida uma explosão de energia estampada em seu manto vermelho, onde aconteceu o grande fenômeno:
O sacro e profano se encontram em comunhão de força em forma de oração.
Acordamos com a alvorada 21 tiros para saudar o soldado Jorge, toca o clarinete e o badalar do sino chamando os fiéis.
Pouco a pouco, um a um, embalados nesta fé inexplicável, chegam para a cerimônia que contagia, percebemos que todos têm no olhar a esperança de dias melhores, lutam para matar os dragões que aparecem em nossa caminhada, é a força do guerreiro Jorge estampada em nossos corações.
O carioca se identifica com esta perseverança, não desiste, não desanima, espelha-se em são Jorge com a rosa na mão, a espada no cinto e a fé no coração.
Parece uma miragem quando começa a cerimônia, porque aquelas poucas pessoas que chegaram vão se transformando em uma multidão em vermelho e branco que invade o Rio de Janeiro, onde os fiéis de joelho agradecem ou pedem, mas com a mesma garra que São Jorge teve em sua vida e tudo vira um espetáculo inesquecível, indescritível de beleza e fé.
Somente no Brasil existe a ligação entre lua, dragão e São Jorge. A Estácio que fez "A dança da lua" em 1993 resolveu para esse carnaval apostar nesta lua de fé, que os brasileiros, principalmente os cariocas, envolve este santo guerreiro." Lua de São Jorge, cheia branca inteira, oh, minha bandeira solta na amplidão" do carnaval 2016.

Salve Jorge!
Salve Estácio Sá!


Aqui outro ponto que promete fortes emoções no primeiro desfile de 2016. A ligação entre São Jorge e as terras brasileiras, a sua devoção no Brasil, enfim, toda característica do nosso povo está nesse setor. Ele trás o que todo enredo tem que ter, na minha opinião: BRASILIDADE. Toda história que se passa na avenida Marquês de Sapucaí tem que ter um pouquinho de Brasil. A ligação entre a Lua, de São Jorge, e a Lua – de “Dança da Lua” - da Estácio, encerra o desfile perfeitamente.

Nos resta agora esperar para saber se a escola terá forças suficientes para suportar a concorrência do grupo especial e permanecer para 2017. A luta é difícil, mas o enredo é maravilhosamente bom, bem desenvolvido, com belas palavras, restando apenas a concepção das fantasias para serem analisadas. Será uma belíssima abertura, como a tempos não se via, talvez equiparada a abertura da Ilha em 2010, também em sua volta ao especial. Quem sabe uma obra do destino. Quem sabe, uma obra de São Jorge.

O nosso próximo post que dará seguimento a série de comentários sobre os enredos do Rio de Janeiro 2016 sairá no domingo que vem, e será o enredo da Vila Isabel, "Memórias do “Pai Arraia” – Um sonho pernambucano, um legado brasileiro".

Até lá!

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