"Maria Bethânia: A Menina dos Olhos de Oyá"
Este
enredo será analisado de uma forma diferente. Como ele não está
setorizado, e não se trata de um enredo linear (com início meio e
fim aparentes), primeiro acompanharemos a sinopse e depois faremos
uma singela análise – baseada em uma opinião pessoal.
Baila no vento a mistura perfumada de mel, pitanga e dendê. O morro desce a ladeira guiado pela filha de Oyá. Cavalga em búfalos de ouro e bronze sobre o raio de Iansã. O abebé de Oxum faz luzir o caminho que leva à passarela, e por isso, minha gente não teme quebranto. O alfanje erguido nos defende. O mal se esconde. Arruda, alfazema e guiné abrem os caminhos. As águas de cheiro perfumam o verde e o rosa. Os tambores de ketu derramam o axé no cortejo. Cortejo de santo, xirê de orixá. Seu canto é o brado que saúda quem faz da Avenida o terreiro. Pra quem chega, agô e saravá! O branco reluz. O opaxorô de Oxalufã firma nossos passos. Nele, apoio seguro: “XEU ÈPA BÀBÁ!”
Corações
ao alto. Valei-me meu Senhor do Bonfim. Doces para os santos meninos.
Os balaios erguidos levam as flores. Tal qual na Baixa do Sapateiro –
quando o calendário marca o quarto dia de Dezembro – o “dengo”
da baiana se embala no chacoalhar dos balangandãs. Salve Santa
Bárbara! No peito, a guia de contas e o Rosário de Maria.
A
voz de Bethânia ecoa. Voz ancestral, ventre de águas claras onde
repousa o Brasil menino. Voz que é o Brasil matuto, caboclo e
sertanejo. Pátria indígena onde Tupã reina. Voz que é solo
africano, caroço de dendê, água de moringa, búzio de enfeitar
trança nagô. Expressão do Brasil épico e dramático. Colorido
feito o cetim que adorna quem brinca o reisado. Árido, como o barro
seco. Grave como o voo sonoro do carcará, rapina do sertão, música
inaugural, grito que se alastra desde o Opinião.
Mergulhada nas canções, Mangueira dá asas aos versos cantados, e, a partir deles, ergue a fantasia que é o pilar de seu carnaval. Prova do mel puro, doce e cristalino – néctar musical – da Abelha Rainha. Desfolha o velho livro. Declama a poesia, seleciona poetas, oferece os mais belos versos. Dá vez ao gesto, faz da folia teatro. Reconstrói o palco, solo sagrado onde a “bordadeira da canção” reina soberana.
Mergulhada nas canções, Mangueira dá asas aos versos cantados, e, a partir deles, ergue a fantasia que é o pilar de seu carnaval. Prova do mel puro, doce e cristalino – néctar musical – da Abelha Rainha. Desfolha o velho livro. Declama a poesia, seleciona poetas, oferece os mais belos versos. Dá vez ao gesto, faz da folia teatro. Reconstrói o palco, solo sagrado onde a “bordadeira da canção” reina soberana.
O
vento sopra a cortina de confetes e serpentinas, o Recôncavo deságua
no Rio tal qual as águas que lavam os caminhos. Ao longe, a imagem
de Nossa Senhora da Purificação. As vozes da novena; o frescor
carregado de axé das águas das quartinhas; os pés que fazem a
poeira subir junto à pele de ouro marrom. No cortejo – em louvor à
filha de Santo Amaro - o “prato-e-faca” ditam o ritmo do samba de
roda. Dia de festa, folia e vadiação. O puxador tira o verso. A
flor de chita roça a pele mulata. O cavaco embala a massa, o
pandeiro convoca os bambas.
O
palco, a velha Avenida - de tantas homenagens, de tantos carnavais.
Espetáculo que passa. Alegria que desfila. Festa de Momo, mambembe.
Errante feito o circo que lhe encantou quando menina. Céu de lona
que a folia ergue agora, palco circense que lhe dedicamos. Fina
poesia onde o trapezista se equilibra. Delírio de Morfeu. Ilusão de
carnaval. Sonho que finda nas cinzas, mas vive eterno, enquanto o
verde e o rosa reinarem na colina.
P.S:
Este enredo é uma “rosa sem espinhos” dedicada à Maria
Bethânia. Voz que é o perfume do dendê. A joia encrustada na coroa
do Rei. O coité, onde a canção é “macerada” tal qual folha
bendita, e o sumo é a densa pasta verde que tinge a canção
brasileira. (LEANDRO VIEIRA – Junho de 2015.)
Eu,
particularmente, tenho muitas críticas a construção desse enredo,
apesar de ele atender a proposta e ser bem montado dessa maneira.
Gosto de enredos montados linearmente, com início, meio e fim. Não
se percebe, pelo menos ao meu ver, a história de Maria Bethânia
contada nesse enredo, nem a sua infância, que poderia ser um fio
condutor, nem de suas músicas, de seus discos (pode ser por que eu
não conheça a música dela, e por isso talvez eu ache que as
músicas delas não estejam representadas, se eu estiver errado por
favor me corrijam).
Ele
pode ser entendido também de outra maneira. Como diz o final do
texto, “este enredo é uma Rosa sem Espinhos dedicada a Maria
Bethânia”, ou seja, não precisa necessariamente ser uma história
contada, e sim uma pura e simples homenagem. A proposta, se for essa,
pode ser muito interessante e até me chama atenção, mas tem um
porém: isso te leva a ter várias interpretações. Claro que para
julgar o enredo, primeiro teríamos que ver o desfile, para saber se
o que está na avenida contou toda a história escrita acima, porém,
olhando por cima, o enredo pode permitir uma interpretação difusa e
confusa, muito pelas palavras que podem ser mal interpretadas, ou
pela falta de linearidade do enredo.
O
tema do enredo é muito interessante, logicamente. Maria Bethânia é
uma página da história da música brasileira, merece, e muito, ser
homenageada por uma das maiores escolas de samba do Brasil. Talvez
merecesse um carnavalesco melhor (com todo respeito, a Mangueira e
este enredo, na minha opinião, mereciam), com um enredo melhor
desenvolvido, com uma história mais bem contada.
Tomara
que a Estação Primeira de Mangueira nos surpreenda plasticamente,
faça um belo carnaval, e nos presenteie com um lugar nas campeãs,
que é o seu devido lugar.
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