JIO Entrevista - Jorge Silveira

Olha a crítica!

Dona de enredos que exploram a criatividade e irreverência, a São Clemente, escola da zona Sul carioca trabalha para levar seu carnaval para Marquês de Sapucaí.
Em 2019 a escola vai reeditar um enredo antológico e que é relembrado por baluartes e especialistas em nossa cultura popular.
"E o samba, sambou" é uma crítica ácida as costumeiras "trocas" entre profissionais. Em sua nova roupagem englobará também as recentes viradas de mesa ocorrida nos anos de 2017 e 2018 no grupo especial do carnaval.
O artista que terá a missão de levar todo este trabalho a passarela do samba é Jorge Luiz Silveira. Original de Niterói, o professor formado pela escola de Belas Artes da UFRJ e artista plástico já participou dos projetos de carnaval das escolas Dragões da Real (SP), Unidos de Vila Isabel, Unidos do Viradouro, Porto da Pedra, Unidos da Tijuca e Imperatriz Leopoldinense.
Rumo a seu segundo desfile pela São Clemente, o artista conta ao JIO Folia como a preto e amarelo está se preparando para um dos carnavais mais disputados dos últimos anos.

Jorge Silveira caminha rumo ao segundo desfile na São Clemente. Destaque da nova geração de carnavalescos já teve trabalhos na Dragões da Real (SP) e Unidos do Viradouro (RJ) 

JIO - A escola foi marcada, principalmente nas décadas de 80/90 por enredos críticos. A reedição de "E o Samba Sambou", de 1990, é um resgate da escola dessa tradição?

Jorge Silveira: Sim, certamente com este enredo traremos de volta a marca crítica da São Clemente. Queremos reconstruir a cara histórica da escola que sempre brincou com temas críticos e realizou excelentes carnavais.

JIO - Vivemos momentos difíceis no RJ no que diz respeito ao apoio oficial às escolas de samba. Ano passado algumas escolas fizeram duras criticas a essa questão. A São Clemente aproveitara o enredo para reforçar essas criticas também?

Jorge Silveira: Sim, a reedição deste enredo é um grito de alerta de como as escolas de samba cariocas estão sendo tratados pelo poder público. Usaremos o desfile como reflexão sobre os caminhos tomados pelas escolas e para onde estes caminhos estão nos levando. Nosso trabalho tem o compromisso de fazer um carnaval para o sambista e despertar nele o sentimento de pertencimento a esta arte tão nobre.

JIO - As cores oficiais da escola facilitam ou desafiam o trabalho do carnavalesco?

Jorge Silveira: Eu particularmente adoro o uso das cores preto e amarelo. Das escolas cariocas, a São Clemente é a única que ostenta essas cores. Isso causa um impacto marcante. Por ter a cara clementiana, utilizarei muito essa combinação por se tratar de um enredo que tem a identificação da escola com sua história.

JIO - Qual é a grande dificuldade de reeditar um enredo de sucesso?

Jorge Silveira: Além da questão financeira que abate todas as escolas, temos também a quantidade de alegorias que não é a mesma do ano original 1990. Para isso preciso condensar as ideias para traduzir toda essa releitura em um número menor de alegorias mas com a mesma quantidade de informações.

JIO - Você considera importante e/ou fundamental que as cores do pavilhão da escola estejam presentes marcadamente na maior parte das fantasias e carros da escola?

Jorge Silveira: A questão das cores é identitária e marcante. Eu sou a favor da utilização das cores da escola no enredo. Embora saibamos que em alguns casos de acordo com o tema seja necessário mesclar a utilização da palheta de cores. Por se tratar de um enredo que prioriza a identidade do componente da São Clemente é a cor que utilizaremos de forma mais efusiva.

Jorge Silveira sobre o desfile 2019 da São Clemente que reeditará o clássico "E o samba, sambou": "Faremos um carnaval para o sambista e daremos este grito de alerta: O poder público não olha com carinho necessário as escolas de samba cariocas". (créditos Jorge Silveira/acervo)

JIO - Sempre houve muita critica às notas dadas por muitos jurados às escolas de samba consideradas "de menor porte ou apoio popular". Você considera que a São Clemente já superou esse estigma?

Jorge Silveira: É nítido que ainda a questão do peso do pavilhão interfere no julgamento às escolas. Em 2018 mesmo com todos os problemas de harmonia encontrados (e sabemos disso) o carnaval da São Clemente foi um dos mais caros já realizados. Continuarei realizando meu trabalho, sempre trazendo trabalhos sofisticados e de fácil leitura para não haver dúvidas na hora da aplicação das notas.

JIO - A escola sempre foi marcada por uma grande participação de componentes jovens. O enredo desse ano se encaixa, de algum modo, a esse perfil da escola?

Jorge Silveira: Sim, se comparada a escolas mais “tradicionais” temos um público jovem. Isso me facilita na hora de vestir o componente e colabora na proposta de enredo que estamos tratando. Esse perfil jovial ajuda também com a comunicação com a arquibancada pois os mais jovens estão se encontrando no universo do carnaval.

JIO - Qual o peso que a escola carrega por ser a única agremiação da zona sul do RJ no grupo especial?

Jorge Silveira: É um privilégio e não um peso. A escola é do bairro de Botafogo e tem uma comunidade muito presente. Melhor ainda é carregar em nosso pavilhão um dos símbolos da zona sul carioca que é o Pão de Açúcar.

JIO - A excelente colocação da Paraíso do Tuiuti no desfile de 2018 anima a São Clemente, que ainda não conquistou um titulo no grupo especial, a pensar alto?

Jorge Silveira: Naturalmente. O excelente resultado da Tuiuti nos encoraja a acreditar que é possível quebrar alguns bloqueios. Depende exclusivamente do nosso trabalho.

JIO - Quais são as grandes apostas da escola para o desfile de 2019?

Jorge Silveira: A grande aposta da São Clemente é um desfile com a cara da São Clemente. Um desfile colorido, divertido, crítico e de fácil leitura. Este é o estilo que consolidou nossa escola ao longo do tempo. Vamos trazer novamente a escola questionadora, arrojada e inovadora que conquistou a simpatia dos sambistas.

Logo da São Clemente para o carnaval 2019. Crítica e irreverência são marcas registradas da escola da zona sul carioca. (créditos Jorge Silveira/acervo)

JIO - Como você avalia o tempo de desfile dedicado a cada uma das escolas do grupo especial?

Jorge Silveira: Me preocupa muito a diminuição do tempo e limitação das ferramentas que utilizamos nos desfiles. Em caso de cortes contínuos chegaremos a limitações irreparáveis para grandeza do grupo especial do Rio de Janeiro.

JIO - Você tem uma trajetória de trabalhos tanto no RJ quanto em SP. Que diferenças você encontra ao comparar o trabalho nessas duas praças?

Jorge Silveira: Do ponto de vista produtivo não existe diferenças. A diferença é que o termo escola de samba está mais intrínseco no carioca. Você consegue viver e respirar o carnaval nos 365 dias do ano, nas comunidades e nos eventos em geral. Em São Paulo isso essa vivência está mais ligada às quadras e ao processo carnavalesco que ocorre próximo aos desfiles.

JIO - Que mensagem você gostaria de deixar para os componentes da São Clemente que estarão na Marquês de Sapucaí em 2019 defendendo e honrando o seu trabalho?

Jorge Silveira: A minha comunidade clementiana: Este ano é muito especial para nós, de afirmação da nossa identidade. Faremos um desfile alegre, em que carregamos uma importante responsabilidade, que é levar para avenida novamente uma obra antológica de nossa escola. “E samba, sambou” ajudou a construir nossa identidade e faremos esta releitura por se fazer necessário. Seremos a voz do povo bradando tudo aquilo que ele, o povo gostaria de dizer. Faremos isso com muita determinação e garra para conquistarmos um excelente resultado na Sapucaí.

JIO - Você foi o criador do desenho mascote do JIO Folia... Como foi fazer esse desenho, participar o concurso?

Jorge Silveira: Foi muito divertido (risos). Eu acompanho a página e acho que é um canal de divulgação da nossa cultura muito democrático. Quem dera haver mais espaços como este para troca de ideias e debates sobre carnaval durante os 365 dias do ano.  Aproveito para mandar um abraço a todos os seguidores espalhados por todo o Brasil.

JIO - Quantos desenhos você produz por projeto de carnaval?

Jorge Silveira: Tenho um contrato com a São Clemente e por este motivo desenho exclusivamente somente para a escola. Porém, antes trabalhando como projetista e como assistente de outros profissionais cheguei ao ápice de desenhar para 9 escolas de samba diferentes. Como o projeto do carnaval é complexo e tenho que estar atento aos mínimos detalhes, me atenho somente às coisas da escola. Fico feliz com essa carga pois assim posso acompanhar o desenvolvimento do projeto e fico próximo aos profissionais que atuam comigo.

Silveira manda um recado à todos os clementianos do Brasil: "Com a reedição de "E o samba, sambou" carregamos uma enorme responsabilidade. Porém, estamos trabalhando muito para que seja um desfile alegre e crítico com a cara da São Clemente que todos aprenderam a gostar".

Texto e Entrevista: Marcelo Almeyda e Álvaro Siqueira

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